OS NOVOS CONTEXTOS DE VIDA NAS SOCIEDADES PÓS-TRADICIONAIS

Os novos contextos de vida nas sociedades pós-tradicionais

 

   

Após-modernidade está influenciando diretamente as relações do ser   humano com o tempo, o mundo e a própria identidade. Nas sociedades atuais o processo de desenvolvimento da identidade se tornou muito mais complexo, pois precisa ser ativamente construído. É  preciso decidir quem você é, como agir e parecer aos olhos do mundo.


Nossa identidade será constantemente avaliada, redefinida e   remodelada em função de nossas diferentes escolhas. Essa pluralidade   de opções fez com que a vida como um todo ganhasse um caráter   experimental.


A tradição definia as formas de ser e agir das pessoas em sociedade.     Ela estabelecia todo um conjunto de valores, regras e condutas dentro   das quais o indivíduo poderia seguir seus caminhos de vida. Essa realidade fundamentava crenças e assegurava a estabilidade na ordem hierárquica da sociedade. Dessa forma, era um elemento norteador da constituição da identidade.


O casamento era para toda a vida, a idade entre 15 e 30 anos era o tempo de se casar e ter filhos, para depois assumir os papéis de avós. Assim como o casamento, a carreira era linear e para toda a vida. A aposentadoria era o tempo de se vestir o pijama e aguardar a morte chegar. O percurso da infância à velhice já estava pré-determinado.


Atualmente, a ordem social pós-moderna e pós-tradicional rompeu com esses modelos e papéis ditados pela tradição, questionando e revogando o que até então estava estabelecido. As referências de identidade se ampliaram, abrindo um leque de opções quanto ao “poder ser”.


O indivíduo hoje precisa tomar a inciativa de seus próprios rumos de vida: casar e ter filhos são opções entre tantas outras. Pode-se decidir postergar ter filhos congelando óvulos ou recorrendo a técnicas de fertilização. Novas famílias são construídas após os 40, 50, 60 anos e as relações afetivas ganharam novas configurações.


No campo profissional o mundo do trabalho passa por um período de grande transformação, a vida profissional linear e previsível deu lugar a uma realidade fluída, complexa e instável. A carreira de uma pessoa sofrerá diversas mudanças no decorrer da vida, pode-se inclusive começar uma nova carreira após a aposentadoria. 


Para os adolescentes esta mudança de paradigmas é ainda mais dramática, já que essa fase, compreendida como um processo de transição da infância para a vida adulta, já é um momento de crise, questionamentos e rupturas de um “antigo Eu” para a construção de um “novo Eu”.


Os adolescentes da pós-modernidade estão imersos numa pluralidade de modelos, sem um norteamento claro - antes ditado pela tradição, o que pode deixá-los muito confusos no decorrer do processo de crescimento e aquisição de experiências para o desenvolvimento da identidade adulta. Hoje, não só os jovens, mas também os adultos estão em permanente reconstrução interna.


Novas relações com o tempo, o mundo e a constituição da identidade


Uma das características mais fortes da pós-modernidade é a convivência lado a lado de valores antagônicos, é a pluralidade de opções, a singularidade, a incerteza. Para muitos é difícil orientar-se nesse cenário incerto, as relações com o tempo, com o mundo e com a própria personalidade podem não ser bem compreendidas.


Um autor chamado Denis Pelletier usa os conceitos gregos de Chronos e Kairós para nos auxiliar a compreender as mudanças da relação do ser humano com o tempo.
Chronos representa o tempo da rotina, referenciado pelo calendário, pela agenda, pelo relógio, é a linearidade, o que se repete, a previsibilidade, o planejamento de projetos para o futuro. Já Kairós é o oposto, trata-se do momento vivido, imediato, as ocasiões imprevistas que fogem da rotina, as oportunidades que se apresentam, são aqueles momentos únicos que exigem de nós decisões imediatas.


Embora Chronos seja norteador de nossas vidas, — o tempo de ser criança, adolescente, adulto, idoso, etc. — os papéis sociais associados a essas fases de vida mudaram. Nossa sociedade está cada vez mais sendo regida pelo tempo Kairós, as pessoas tendem a aproveitar cada vez mais as possibilidades e oportunidades que surgem em suas vidas para ressignificar os papéis sociais que nos sãos atribuídos.


As mudanças do tempo Kairós são as transições: eventos que podem envolver ganhos ou perdas e que sempre resultarão em uma transformação de vida. As transições podem gerar um cenário de insegurança, fazem com que as pessoas repensem escolhas, caminhos e visões de vida.


Nesse contexto, é preciso tomar as rédeas da própria vida, escolher quem se quer ser, o que se quer fazer e como se quer viver. Por ser um processo inacabado, o desenvolvimento identitário precisa ser retomado sempre. Para muitas pessoas, esse processo individualizado e autônomo pode ser vivido como uma emancipação forçada, gerando muita angústia. Esses processos subjetivos são vividos de diferentes maneiras por cada um de nós.


É preciso então manter uma postura flexível, positiva e resiliente diante das mudanças, encarando-as como a possibilidade de novos aprendizados, metas, prioridades e projetos, para que aconteça um redirecionamento consciente da vida.


Fontes:
GIDDENS, A., BECK, U., LASH, S., Modernização Reflexiva. Política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora UNESP, 1997. (N.E.)
LEMOS, Caioá Geraiges de. Adolescência, identidade e escolha da profissão no mundo do trabalho atual. São Paulo: Vetor, 2001.
PELLETIER, Denis. S’ orienter dans um monde incertain. In: D. Pelletier (Org.) Pour une approache orientante d l’ecole québécoise: concepts et pratiques à l’usage des intervenants (pp. 7-23). Quebéc: Septembre, 2001. Trad. Marcelo Afonso Ribeiro. Material não publicado


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