O FUTURO DO TRABALHO PÓS-PANDEMIA

O FUTURO DO TRABALHO PÓS-PANDEMIA


O trabalho sempre ocupou um lugar muito central na sociedade, regendo nossas relações pessoais e materiais, e esteve muito vinculado diretamente à nossa profissão, salário, status social e econômico. É claro que para entender essa centralidade do trabalho na vida das pessoas, temos que nos lembrar da sua evolução histórica: começamos com o trabalho escravo, passamos pelo feudalismo (submissão em troca de proteção), até chegar à industrialização de hoje.


Nas últimas décadas, vários estudiosos explicaram como as organizações foram construídas sob o modelo implícito de um trabalhador ideal: aquele que era totalmente dedicado, em que o excesso de trabalho era até glamourizado, pois se você trabalhasse mais que os outros, como dizia o ditado: “trabalhe enquanto eles dormem”, você poderia alcançar o sucesso, enquanto os outros não. Então, seguindo esse pensamento, para ser um bom profissional, você deveria sacrificar seu sono e seu tempo com a família, se quisesse alcançar seus objetivos.


As transformações econômicas e sociopolíticas que ocorreram ao longo do tempo afetaram também a forma das pessoas se relacionarem entre si e no trabalho. Com a industrialização, por exemplo, muitas atividades humanas passaram a ser realizadas por máquinas, o que causou demissões em massa em alguns setores e forçaram as pessoas a se reinventarem. Com a pandemia, o mercado de trabalho mudou mais rápido do que o esperado, e governos, empresas e profissionais tiveram que se adaptar rapidamente a essa mudança.


Estudo da consultoria McKinsey sobre o futuro do trabalho na pós-pandemia, publicado em fevereiro deste ano, mostrou que mais de 100 milhões de pessoas terão seus empregos afetados, e mais de 25% das pessoas deverão migrar de profissões até 2030. A pesquisa também revelou que algumas tendências foram aceleradas neste período, como: trabalho remoto, e-commerce; deliverys; telemedicina; online banking; streaming; automação; inteligência artificial, e novos modelos de gestão e produtividade. O comércio eletrônico e o delivery, por exemplo, aumentaram de 2 a 5 vezes de volume em relação ao período anterior ao Covid, em vários países.


A crise que nos forçou a ficar isolados para evitar o contágio, nos fez refletir sobre a importância da dimensão física do trabalho, da necessidade de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e ainda repensar as relações entre empregador e empregado.

No começo, profissionais e executivos de grandes empresas pensaram que o home office seria positivo para os trabalhadores, pois não haveria o estresse com a mobilidade e se poderia passar mais tempo com a família; ao passo que para as empresas haveria uma redução de despesas com o escritório.


Mas logo apareceram vários pontos negativos do home office. O Covid-19 empurrou o trabalho e a vida doméstica para baixo do mesmo teto, rompendo todos os papéis sociais: mães e pais trabalhadores tiveram que dividir o seu já escasso tempo entre atividades do trabalho, tarefas domésticas e o cuidado com as crianças.

Em pouco tempo, profissionais em home office se viram estressados, trabalhando ainda mais do que antes. Segundo pesquisa do Dieese, 70% dos profissionais brasileiros disseram estar com cargas mais altas de trabalho em 2020 e 2021. Esse aumento pode ser explicado pelos seguintes motivos: redução de equipes; menos recursos financeiros, mas com a manutenção de metas ambiciosas nas empresas; e o medo de ser demitido por causa da crise. Tudo isso, como num ciclo vicioso – menos gente, mais demissão, mais horas - levou as pessoas a buscarem o seu rendimento máximo, dedicando-se às atividades profissionais sem trégua, e mergulhando no que chamamos de produtividade tóxica.


A produtividade tóxica é aquela sensação de que é preciso estar o tempo todo fazendo algo produtivo. Então você trabalha mais horas, fica conectado 24 horas aos dispositivos eletrônicos, e usa todo o seu tempo livre (até o tempo de sono) para executar atividades relacionadas ao trabalho.


Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), trabalhar 55 horas ou mais por semana pode aumentar o risco de morte. A dedicação exaustiva ao trabalho não é sinônimo de qualidade de entregas e resultados melhores. A neurociência já comprovou que o stress causa falhas de memória e o cansaço diminui as capacidades cognitivas, freia a criatividade e aumenta a propensão a erros.


O home office, entretanto, estimula o trabalho num regime intensivo, pois ele está ao alcance das mãos, em qualquer dia e horário, e mistura no mesmo espaço a vida pessoal com a profissional, causando estresse e ansiedade.


Além disso, os vínculos com as pessoas, que eram corporais no trabalho presencial – havia o contato com o seu colega de trabalho, você interagia com ele fisicamente, fazia uma pausa para um café, uma conversa descontraída, seu cérebro descansava – esses vínculos passaram num trabalho remoto a ser não corporais, ou virtuais, permitindo o overworking, pois o trabalhador tende a ficar preso a uma tela e a não se dar pausas, e os momentos de socialização não existem mais.


As mudanças que ocorreram depois do Covid-19 não tiveram tempo de ser amadurecidas. Isso porque, em todas as esferas, ao mesmo tempo em que as transformações estavam sendo feitas para melhorar um modelo que não funcionava mais, novas demandas surgiam. É como precisar trocar um pneu furado com o carro andando, num exemplo mais concreto.


Outro fator importante é que as novas gerações de colaboradores (Y, X e Z) vêm questionando esse modelo full time de trabalho e reivindicando maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal – um valor importante para estas gerações.

Neste contexto, gestores precisaram reexaminar o modelo tradicional, em que o funcionário excede o tempo dedicado ao trabalho muito além daquele que ele dedicaria se estivesse presencialmente na empresa. Muitos já perceberam que, nesse novo formato, os colaboradores só teriam um bom desempenho se conseguissem conciliar suas responsabilidades familiares com as profissionais.


Pensando na saúde mental e física dos seus colaboradores, algumas mudanças têm sido feitas pelos empregadores: maior flexibilidade de horário de trabalho, privilegiando o trabalho de qualidade em detrimento da quantidade de trabalho; estabelecimento de limites nos horários de trabalhos; mudanças na avaliação dos funcionários; e a busca da construção de uma relação de confiança entre gestores e funcionários, mais colaborativa, em detrimento da relação hierárquica e rígida entre um chefe e um subordinado de antes da pandemia, por meio de acordos de boas práticas de gestão e produtividade mais sustentáveis para ambos os lados.


Equilibrar a vida pessoal e profissional não é uma tarefa fácil, cada pessoa tem uma história de vida, e o que significa felicidade para uns, pode não ser para outros. É importante que cada um busque o seu equilíbrio, colocando energias no que realmente faz sentido para sua vida, naquele momento. Portanto, o autoconhecimento é imprescindível para ajudar o indivíduo a entender quais são os seus valores e seus propósitos de vida.


A psicóloga Caioá Lemos, que possui larga experiência com Orientação Profissional e de Carreira para jovens e adultos, sugere algumas atitudes que poderão ajudar a obter um equilíbrio saudável da vida pessoal e profissional:


  1. Foque nos seus pontos fortes e terceirize tarefas em que você tem mais dificuldade;
  2. Priorize seu tempo e faça uma lista geral de tarefas, domésticas e profissionais, classificando-as em quatro categorias: 2.1- Urgente e importante; 2.2- Importante, mas não urgente; 2.3- Urgente, mas não importante; 2.4- Nem urgente, nem importante;
  3.  Conheça seus melhores horários de rendimento (de manhã, tarde ou noite) e deixe as atividades que exigem mais concentração para esse período;
  4. Administre o seu tempo a longo prazo, criando cronogramas, com tarefas a serem realizadas em determinadas datas, incluindo entrega de trabalhos, conferências, mas também feriados, aniversários e compromissos familiares e com amigos;
  5.  Negocie prazos e limites de horários com os gestores e outros colegas da equipe para encontrar maior equilíbrio e manutenção da saúde mental no grupo de trabalho;
  6. Reserve tempo para sua vida pessoal e saúde, com prática de exercícios e tempo com a família.